Dia 24 de Junho 2020
116 anos da IELB
Textos: Sl 100; 1Rs 8.22-43; Ef 4. 1-6; Mt 28.18-29
Tema: A IELB faz missão entre as nações.
Cerca de 3,8 milhões de estrangeiros ingressaram no Brasil entre os anos
de 1887 e 1930. Desses, 72% entre 1887 e 1914, ano em que houve uma redução das
entradas em função da I Guerra mundial. Numericamente, na soma total da
imigração - contabilizando a retomada do fluxo com o fim da I Guerra - os
alemães, foi o quarto maior grupo. Muito aquém, portanto, dos italianos
(1.513.151), portugueses (1.462.117) e espanhóis (598.802). Os
teuto-brasileiros somaram cerca de 250 mil indivíduos. Dentre estes, o
número dos imigrantes e seus descendentes que se filiaram ao Distrito
Brasileiro do Sínodo de Missouri foi estimado, no ano de 1924, em 21.225
pessoas, espalhadas em 116 capelas pertencentes a 35 paróquias.
É preciso ressaltar que a ala do luteranismo que hoje constitui a Igreja
Evangélica Luterana do Brasil, IELB, tem sua origem na atuação de missionários
norte-americanos, mas que desde o início do século XX sempre de novo
enfatizaram que sua atuação nunca visou especificamente à população de origem
alemã, chegando, inclusive, a ter comunidades constituídas exclusivamente por
afro-brasileiros. A verdade é que o luteranismo, como um todo, continua a
caracterizar-se, até hoje, por membros de sobrenome alemão. Mas, diante disso o historiador René Gertz
diz que “deve-se chamar a atenção
para o fato de que para a opinião pública brasileira, e também para muitos
cientistas sociais, as comunidades de origem alemã em geral, e sobretudo as
luteranas, se caracterizariam pelo profundo isolamento.”
Em uma pesquisa realizada no início dos anos 1960, sob orientação de
Darcy Ribeiro, a respeito de uma comunidade rural no interior de Santa
Catarina, lê-se: “a Comunidade
Evangélica, sempre reunindo um grupo de origem alemã, constitui um dos fatores
que mais se opõem à assimilação dos seus elementos à sociedade brasileira.”
Mesmo que não fosse intencional, buscava-se levar o evangelho aos
imigrantes alemães e seus descendentes “teuto-brasileiros.”
Para a direção do Sínodo de Missouri, esta ajuda não era apenas um dever
de amor cristão, mas uma responsabilidade étnica. Comentava-se que ‘são alemães, são luteranos, cabe-nos
ajudá-los’ (Steyer, 1999). No Brasil, os missionários não precisavam
aprender uma língua estranha, que iria requerer grande esforço, pois podiam
logo transmitir a palavra de Deus na língua materna alemã. Por outro lado, não
precisavam procurar famílias alemãs isoladas e dispersas, pois centenas e
milhares se encontram concentradas em vilas e cidades.
Nossa identificação, e isso faz parte do nosso
DNA constituído, está atrelado a um grupo de imigrantes europeus. Grupo esse
que está em extinção no Brasil, pois hoje, a sociedade brasileira está tomando
forma, sendo uma miscigenação entre brancos, negros e índios. Estamos
inseridos, depois de 116 anos num novo paradigma: “Uma Igreja de origem Europeia, atuante entre seus imigrantes europeus,
buscando abrasileira-se.”
E essa marca, “Igreja de Alemão” é que levou a grandes problemas para a nossa igreja, IELB. Por ser formada de
protestantes alemães, era tida pelo governo, como um espião alemão em terras
americanas e brasileiras. Esse fato triste e lamentável, devido à confusão,
levou o sínodo de Missouri em solo norte americano se nacionalizar. E tendo,
nossos irmãos norte-americanos, enfrentado esse processo antes de nós IELB,
muito nos auxiliou nos passos a seguir diante da germanidade ante a guerra
mundial. Conforme documentos da Convenção
Nacional da IELB – 24 a
31 de janeiro de 1937 – Porto Alegre/RS vemos que “nossa Igreja reconhece a existência de etnia e o cultivo de coisas
pertinentes ao povo (manutenção do idioma e costumes). Tais são assuntos da
vida dos cidadãos, e portanto, atribuições do arranjo da vida em sociedade
(governo, partido, associação, etc)”. E nesse meio aconteceu a nossa
identificação. Mas é triste, devido à confusão, ainda sermos conhecidos como
uma “Igreja de alemães para alemães.”
A IELB foi muito perseguida no Período da Segunda Guerra Mundial. E essa
perseguição se mostrou pela proibição do uso da língua alemã nos cultos e
atividades da Igreja. Pastores foram presos. Literatura confiscada. Igrejas
foram saqueadas (Igreja Queimada) Cerrito/RS. Um período caracterizado magistralmente
pelas palavras do secretário executivo das Missões da LCMS
“Estes
foram dias de perigo e amargo sofrimento. Nunca, na história do Sínodo de
Missouri, nossos cristãos, em algum lugar, sofreram tanta ameaça, antagonismo,
animosidade, perseguição às nossas congregações, pastores, irmãos em Cristo
como está acontecendo no Brasil”
Até o período inicial da Primeira Guerra, a vida dos sínodos
luterano-alemães no Brasil não fora alterada substancialmente. Também porque o
Brasil na época desenvolvia políticas de neutralidade em relação ao conflito
internacional. Não obstante, os recorrentes posicionamentos das comunidades
alemãs em favor da terra mãe em situações belicosas, o envio de verbas e
auxílio à Alemanha, as intenções imperialistas do Kaiser, bem como o uso
contínuo e generalizado do idioma alemão (em igrejas e escolas) e o cultivo das
tradições alemãs, iam criando certo espírito de animosidade na opinião pública
contra os teuto-imigrantes.
Como era de se esperar diante de tal quadro, aquela situação de relativa
estabilidade viria a se alterar a partir de 1917, com a ruptura das relações
diplomáticas com o Reich e a entrada brasileira na Guerra junto aos aliados. No
final do mesmo ano as represálias à comunidade teuto-brasileira vieram à tona: as escolas alemãs foram fechadas
progressivamente e foi proibida a utilização do idioma alemão.
Em meio a tais represálias, o Mensageiro Cristão de 15 de abril de 1918
trouxe, sob o título "Paz seja
convosco", as palavras do pastor Louis Rehfeldt, afirmando que ainda
que o mundo espere o restabelecimento da paz, essa "utopia dos visionários", a paz universal, nunca aconteceria. O
pastor Rehfeldt, então professor do Seminário Concórdia e redator do periódico,
conclui asseverando que a paz de Cristo, que excede todo o humano entendimento,
essa paz o mundo não conhece (Mensageiro Cristão, nº 6: 21), e nem queria
conhecer. E diante dessa constatação podemos louvar a Deus e entender que nos
tem preservado para que essa paz, a vida seja comunicada.
A ideia subjacente de "paz" religiosa, ao mesmo tempo oposta e
alternativa ao "mundo", traz consigo a semente da espiritualidade
confessional luterano missouriana. Em sua concepção, a paz completa e
verdadeira somente poderia ser alcançada através da fé em Cristo, pelo qual se
tem a salvação. Essa paz o "mundo" não pode trazer. Somente o pode a
Escritura corretamente interpretada, palavra inspirada por Deus. E essa é a
missão e o desafio da IELB. Ser uma Igreja Confessional que atinge as pessoas,
tanto com palavras como em ação.
Quando caíram as sombras da desconfiança por sobre o
"perigoso" germanismo brasileiro, com a sanção governamental da
proibição do idioma alemão, o Sínodo de Missouri se viu nivelado em meio aos
demais grupos de imigrantes e, nesse contexto, Johannes Kunstmann achou
necessário reafirmar, em 31 de outubro (data da comemoração da Reforma
Luterana), o que era em sua concepção confessional o verdadeiro luteranismo:
Nesses tempos, quando o luteranismo, em países de fala
inglesa, é confundido com germanismo, e em nosso país, ao menos por parte da
Igreja Evangélica alemã unionista, com americanismo, vale a pena lembrar o que realmente significa luteranismo. (…) Luteranismo,
como tal, de nenhum modo significa germanismo ou americanismo. (...)
Luteranismo não tem, em absoluto, nada a ver com política ou
"Kultur", ou com zonas de interesse, ou com qualquer outro assunto
deste mundo (...) O luteranismo sustenta o princípio 'Sola Scriptura'. Ele
reivindica que a Bíblia, por ser a palavra inspirada de Deus, é a única fonte e
norma de todas as doutrinas de fé e moral. (...) afirma o 'Sola Gratia'.
Professa Cristo, e ele crucificado, ensinando que não há outro nome pelo qual o
homem possa ser salvo (...) e que, portanto, o homem não é justificado por suas
obras, mas pela graça, por causa de Cristo (...) Luteranismo é (…) o verdadeiro
campeão da liberdade diante do papa e do clero, da liberdade religiosa da
consciência, da liberdade da igreja e dos indivíduos, somente ordenando os
luteranos a Cristo Jesus, seu único mestre (...) (Suplemento para leitores
em inglês, Mensageiro Luterano, nº 19, 31/10/1918).
Essa afirmação é reveladora das transformações para uma igreja brasileira
e nos ajuda nesse ponto em que queremos mostrar que nossa fidelidade não é
racial, ou de origem eclesiástica, mas antes de tudo e acima de tudo,
confessionalidade bíblica.
Na IELB a ultima palavra é do Evangelho. Por isso “evangélica.” Evangelho
esse trazido de volta por Lutero através da exegese bíblica. E essa volta a
exegese bíblica para que a vida continue sendo comunicado é urgente e
fundamental, pois vivemos dias de eixegese.
Como Igreja Cristã, sabemos que as perseguições e tribulações fazem parte
da Igreja, assim como dito ao apóstolo João de que “...seu estômago ficará amargo,...” (Ap 10. 10). Mas, entre as
tribulações, reconhecemos que o Evangelho traz alegrias incontáveis, como
anunciado ao apóstolo João: “...mas sua
boca será doce como mel” (Ap 10.10). Por isso, continuemos nossa missão, “Indo e anunciando o evangelho salvador”.
Pr
Edson Ronaldo Tressmann
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